A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é fatalmente levado
ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete
não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova e por expiação, escolher
uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado,
quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não
agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao
fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de
ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente
submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente,
quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento
das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica
a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene.
Desprendido
da matéria e no estado de erraticidade,
o Espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo
com o grau de perfeição a que haja chegado e é nisso, como temos dito, que
consiste sobretudo o seu livre-arbítrio. Esta liberdade, a encarnação não a
anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas provas que por si
mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência
de Deus e dos bons Espíritos. (337)
Sem
o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal, nem mérito em
praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou
o elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz
liberdade. Nenhuma desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus
delitos, na sua organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de
ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal, assim não
poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o homem pratica o bem,
tem grande cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e não cogita de
por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia,
mau grado à opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua
espécie: a liberdade de pensar.
A
fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável
de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importância deles. Se tal
fosse a ordem das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade. De que lhe
serviria a inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado,
em todos os seus atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se
verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria para
o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal, crimes ou
virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente justo, castigasse suas
criaturas por faltas cujo cometimento não dependera delas, nem que as recompensasse
por virtudes de que nenhum mérito teriam. Demais, tal lei seria a negação da do
progresso, porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para
melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem menos.
Contudo,
a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa na Terra
e nas funções que aí desempenha, em conseqüência do gênero de vida que seu Espírito
escolheu como prova, expiação ou missão. Ele sofre fatalmente
todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más,
que lhe são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade
depende ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos acontecimentos,
esses ficam subordinados às circunstâncias que ele próprio cria pelos seus atos,
sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir pelos pensamentos
que sugiram. (459)
Há
fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem estes conseqüência
da escolha que o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de haver
fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser possível ao homem,
pela sua prudência, modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da
vida moral.
No
que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável
lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o
termo da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio.
Segundo
a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos que, então,
proviriam, ou da sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade lhe
toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe fora procurar
desculpar-se consigo mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como
é. Muito mais moral se mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela
admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe diz que,
praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em nada lhe diminui a
responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o que evidentemente
lhe é muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de acordo
com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar
ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal, como pode
cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação
da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a
assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime
prece que é a oração dominical, quando manda que digamos: “Não nos
deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.”
Essa
teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino
que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos,
eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo
obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser
simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua
vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de
dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de
iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitiva, ele
é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as
qualidades e os defeitos que tinha como Espírito.
Conseguintemente,
as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio
Espírito, que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará,
mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada
para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa,
imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às
sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar
fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor ele se
eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova
que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa
alternativa.
Quanto
mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto menos acesso oferece
aos que procurem atraí-lo para o mal. Na razão de sua elevação, cresce-lhe a
força moral, fazendo que dele se afastem os maus Espíritos.
Todos
os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie humana
e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados, nele se conta maior número de
Espíritos maus do que de bons. Tal a razão por que aí vemos perversidade.
Façamos, pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a
presente estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses
mundos privilegiados, onde não nos lembraremos da nossa passagem por aqui,
senão como de um exílio temporário.
DA LEI DE LIBERDADE - PARTE 3ª - CAPÍTULO X - Questão n 872